Refeições sem Stress: a Divisão de Responsabilidades na Alimentação Infantil

 

Já imaginaste ter refeições sem stress?

Quantas vezes te apanhaste a dizer coisas como: “Só mais uma garfada!” ou “Se não comeres tudo, não há sobremesa!”? Para muitas famílias, a hora da refeição é um campo de batalha, cheio de negociações e conflitos que deixam todos frustrados.

Mas e se te disser que há uma abordagem simples e eficaz para transformar esses momentos em experiências tranquilas e conectadas? A Divisão de Responsabilidades na Alimentação Infantil (DoR), criada pela especialista Ellyn Satter, é uma forma baseada em ciência que ajuda pais e filhos a estabelecer papéis claros à mesa. Este guia vai explicar-te como funciona e por que razão é tão eficaz.

 

O que é a Divisão de Responsabilidades na Alimentação Infantil?

A DoR é uma abordagem que define papéis distintos para pais e crianças durante as refeições. É uma das bases da alimentação responsiva. É como se cada um tivesse uma função à mesa:

  • O teu papel como pai ou mãe:
    • Escolher e preparar os alimentos que vão ser oferecidos
    • Estabelecer horários regulares para refeições e lanches
    • Escolher o local para as refeições (à mesa, no restaurante, na casa da avó…).
    • Tornar os momentos de alimentação agradáveis
    • Mostrar como a criança de deve comportar
    • Deixar a criança crescer e ter o corpo adequado para ela
  • O papel do teu filho:
    • Decidir a quantidade de comida que quer comer
    • Escolher se quer comer ou não.
    • Aprender a comer o que os pais comem

Este método respeita a auto-regulação natural das crianças, ajudando-as a desenvolver uma relação saudável com a comida. Estudos como o de Daniels (2019) mostram que quando os papéis são claros, as crianças comem melhor e as refeições tornam-se menos stressantes.

 

 

Por Que Razão Este Método Funciona?

1️⃣ Reduz Conflitos à Mesa

Quando os pais confiam nos filhos e evitam pressões, os conflitos diminuem. Um estudo de Galloway et al. (2006) revelou que pressionar as crianças a comer pode, na verdade, levar a uma aversão alimentar.

2️⃣ Respeita a Autonomia da Criança

As crianças têm uma capacidade natural de regular o apetite, mas isso pode ser comprometido se forem constantemente pressionadas ou restringidas (Loth, 2016). Deixar que decidam quanto e se querem comer respeita a sua independência.

3️⃣ Cria um Ambiente Positivo

Com papéis claros, os momentos à mesa tornam-se mais tranquilos e agradáveis para todos. Isso fortalece a conexão entre pais e filhos.

 
Como Implementar a Divisão de Responsabilidades na Prática

Aqui estão passos concretos para começares a melhorar a alimentação infantil aí de casa:

 

Decidir o quê:
  • Serve sempre, pelo menos, um alimento que sabes que o teu filho aceita.
  • Oferece alimentos novos ou menos preferidos, sem pressões. Por exemplo: “Hoje temos arroz, frango e brócolos. Se não quiseres brócolos, não faz mal.”

 

Definir quando:
  • Cria uma rotina de refeições e lanches com intervalos regulares. As crianças pequenas precisam de comer, em média, a cada 2-3 horas; as mais velhas, a cada 3-4 horas.
  • Evita snacks fora do horário, mesmo quando pedem.

 

Estabelecer onde:
  • Escolhe um local fixo para as refeições, como a mesa da família.
  • Mantém o ambiente calmo e positivo. Evita distrações como televisão ou telemóveis.

 

 
Exercícios Práticos: Como Aplicar a Divisão de Responsabilidades na Alimentação

Para te ajudar a colocar a Divisão de Responsabilidades em prática, aqui estão dois cenários reais que podem surgir à mesa. Vamos explorar as opções possíveis e a melhor forma de lidar com elas.

 
Cenário 1: Pedido de Comida Fora da Hora

Colocas na mesa fruta, pão e iogurte, sabendo que o teu filho come pão e iogurte. Ele dá uma colherada no iogurte, começa a mexer-se na cadeira e quer sair da mesa. Vinte minutos depois, está a puxar-te pela perna a pedir uma barra de cereais.

 

O que fazer?

  • Opção 1: Dar-lhe a barra de cereais?

    Não! Decidir o quê (barra de cereais), quando (20 minutos após o almoço) e onde (a andar pela cozinha) são responsabilidades tuas, não do teu filho. Ao ceder constantemente não estás a aplicar uma parentalidade consciente, mas uma parentalidade permissiva.

  • Opção 2: Definir limites com empatia?

    Sim! Responde:

    “Eu sei que queres uma barra de cereais, mas agora não é hora de lanche. Vamos ver no relógio quanto falta para o próximo lanche.”

    Com esta abordagem, estás a reforçar os limites claros sobre o quê, quando e onde a comida é servida, sem ignorar o que o teu filho sente.

 

Cenário 2: Pedido de Algo Que Não Está no Menu

Planeaste um lanche às 15h com bolachas, queijo e fiambre – alimentos que sabes que o teu filho come. Sentam-se à mesa e ele diz:

“Não quero bolachas, quero banana!”

 

O que fazer?

  • Opção 1: Ir buscar a banana?

    Não! Por mais tentador que seja, estás a permitir que o teu filho assuma o teu papel ao decidir o quê será servido. Isto pode confundi-lo sobre quem é responsável pelas decisões alimentares.

  • Opção 2: Manter o limite com empatia?

    Sim! Responde:

    “Querias mesmo a banana, não era? Agora temos bolachas, queijo e fiambre. A banana parece deliciosa – vamos planear comê-la ao pequeno-almoço amanhã.”

    Desta forma, mostras que ouviste e valorizaste a sugestão do teu filho, sem abdicar do teu papel. Ele aprende que, embora não possa decidir o quê no momento, as suas preferências são consideradas para o futuro

 

O Que Esperar ao Começar

A transição para a DoR pode ser desafiadora no início. O teu filho pode não saber quais os teus limites, pedir snacks fora do horário ou comer muito pouco. Dá-lhe tempo para se adaptar e mantém-te no teu papel, sempre que te fizer sentido. A congruência é a chave.

 

Conclusão: Confia no Processo

Manter-te fiel aos teus papéis na alimentação infantil é um presente para ti e para o teu filho. Estabeleces limites claros, respeitas a autonomia dele e transformas as refeições num momento de conexão e tranquilidade.

Estás pronto para experimentar? Começa com pequenos passos hoje mesmo e vê a diferença à mesa!

 

Fontes
  • Satter, E. M. (1986). The feeding relationship. J Am Diet Assoc, 86(3), 352-356.
  • Satter, E. (2012). Child of Mine: Feeding with Love and Good Sense. Bull Publishing Company.
  • Galloway, A. T., Fiorito, L. M., Francis, L. A., & Birch, L. L. (2006). ‘Finish your soup’: Counterproductive effects of pressuring children to eat on intake and affect. Appetite, 46(3), 318-323.
  • Loth, K. A. (2016). Associations between food restriction and pressure-to-eat parenting practices and dietary intake in children: a selective review of the recent literature. Current Nutrition Reports, 5(1), 61-67.
  • Jansen, E., Mulkens, S., & Jansen, A. (2007). Do not eat the red food!: Prohibition of snacks leads to their relatively higher consumption in children. Appetite, 49(3), 572-577.